Fraudes Martírios Cristãos – I (tradução)

Titulo original: Unmithical Martyrs
Disponível em: http://www.firstthings.com/article/2013/04/unmythical-martyrs
Acesso em: 12/1/14

Mártires Não Míticos
Uma resenha de The Myth of Persecution: How Early Christians Invented a Story of Martyrdom(“O Mito da Perseguição: Como os Primitivos Cristãos Inventaram um Estória do Martírio”)
Ephraim Radner
Oiginal:
The Myth of Persecution:
How Early Christians Invented a Story of Martyrdom
by Candida Moss
HarperOne, 320 pages, $25.99

O tédio do déjà vu neste infeliz pequeno volume pelo menos me levou de volta ao Declínio e Queda. Parece que um editor chegou para Candida Moss, uma professora de Novo Testamento e Cristianismo Primitivo, da Notre Dame, com uma proposta para um dinheiro fácil confiando nos twitters políticos da vida: “você é uma especialista, reaqueça o capítulo famoso de Gibbons sobre os romanos e os cristãos com alguma erudição contemporânea e migalhas culturais e poderemos publicar um belo livreto que nós venderemos”.

E Moss leu o seu Gibbon. Está tudo ali, emprestado do mestre da prosa inglesa do século dezoito, muito mais malicioso em sua ironia do que a de Moss: os números fraudulentos dos perseguidos e mortos, a “caneta artística” de embusteiros cristãos posteriores que douraram ambos, o passado e os vícios internos dos primitivos fieis da Igreja, a formação auto-favorável de uma cultura de ressentimento justo e de hostilidade pro cristãos pusilânimes e, naturalmente, a proposta de que as fantasias e as atitudes que eels inventaram transformou a Igreja no piro perseguidor do mundo.

Portanto, eis a ideia: os conservadores na América acreditam que os cristãos são “perseguidos” por suas posições contra o aborto e o casamento homossexual mas essa é apenas o uso moderno de uma antigo “mito” cristão que se baseia em fraude para demonizar os opositores e reavivar o fogo da intolerância.

Nisto é que se resume o livro. Aqueles que conhecem um pouco da história do cristianismo terão pouca oportunidade e aprender algo aqui exceto os becos sem saída do criticismo histórico.

Moss tem escrito vários volumes e artigos bem recebidos sobre questões relacionadas ao discipulado e martírio d a Igreja primitiva mas aqui, aparentemente, ela se deixou levar pela excitação do que dificilmente pode ser chamado de novas descobertas: que os relatos da Igreja primitiva sobre os martírios de cristãos fez uso de formas literárias não cristãs; que muitas legendas cresceram em torno de mártires, vidas dos santos e dos detalhes de seus memoriais; que os cristãos no passado se comunicavam usando as mesmas formas de seus vizinhos não cristãos e de sua cultura. Ela espera que acreditemos que essas realidades ipso facto automaticamente tornam os relatos de martírio da Igreja primitiva uma invenção, um “mito”, uma “fraude”.

Como ela chegou a essa conclusão? Aqui está o aspecto erudito mais angustiante da tese defendida por ela: Ela simplesmente faz as afirmações e então, francamente, encobre seus rastros[, sem apontar suas fontes].

Moss explica que no relato do Jardim de Getsêmane, de Lucas, falta a imagem de Marcos de um Jesus atormentado em angústia pessoal. O Jesus de Lucas é calmo, forte, “masculino” (segudno ela, não Lucas). O escritor de Lucas estava incomodado pela caraterização ambivalente feita por Marcos e decidiu mostrar Jesus como um filósofo sábio, encarando a morte corajosamente.

Alguns eruditos têm levantado tais argumentos e ela tem todo o direito de usá-los. Mas, no espaço de algumas frases, ela passa do “é difícil saber” qual era a intenção de Lucas para “é claro que Lucas editou a narrativa da paixão para fazer a morte de Jesus lembrar a morte de um filósofo” e quer nos fazer crer que Jesus “de fato foi um filósofo como Sócrates”.

É “claro”? Encaravam os primitivos cristãos, que viveram muito mais próximos do que nós da cultura da época, tais conexões na versão de Lucas? Ela não nos informa. (Eles não encaravam da forma descrita por ela). E como Moss admite apenas numa nota final, Lucas também contém alguns versículos com relação a anjos e suar sangue que contradiz a tese dela mas ela simplesmente as rejeita como variações textuais dos manuscritos interpoladas posteriormente. Assim, para ela, a conclusão obviamente é: “O trabalho editorial feito por Lucas tem sido devastador para o nosso entendimento do que realmente aconteceu” na Paixão.

Especulações se transformam em probabilidades, as quais se convertem em asserções, que passam a ser fatos, os quais provam que os cristãos primitivos inventaram fraudulentamente os martírios. Por exemplo, em O Martírio de Policarpo a mudança da pessoa do narrador oferece um paralelo muito próximo com a paixão de Jesus, servindo como um argumento encorajador (como um político moderno que usa o exemplo de um herói nacional, ela acrescenta) e trata o martírio como uma categoria teológica específica. portanto o texto deve ser posterior ao relato de qualquer testemunha ocular, nos fornecendo a visão de um autor posterior, não dos próprios mártires. Mesmo neste caso estamos incertos: “A verdade pura é que não sabemos quando a estória foi escrita”.

O que ela conclui? “O que isto significa é que os relatos primitivos dos martírios . . são uma fraude piedosa”. Não podemos “confiar” em nada sobre esta “criação” que é Policarpo, exceto, talvez, o fato puro de que ele foi executado.

Pode-se ir mais longe. Segundo o critério de Moss, o próprio relato tem pouco valor se for posterior aos supostos eventos (difícil de provar), se houver evidência de “edição”, se formas literárias mais comuns são usadas no relato, se há uma sugestão de sofisticação teológica e assim por diante. “Não há dúvida”, admitirá ela com frequência, que as perseguições e execuções de cristãos aconteceram, mas ela insiste que é impossível saber, com que extensão e com que auto-entendimento real por seus participantes.

Aparentemente, a regra é ler ceticamente os escritos do passado mas não duvidar daquilo que os eruditos atuais imaginam. O livro inteiro, portanto, parece se enquadrar nesta última categoria. Seus capítulos principais sobre a estruturação da desonestidade e dos perigos das alegações de “perseguição” feitas pelas vozes políticas, contemporâneas, conservadoras e dos líderes religiosos, facilmente identificam a tendência da autora. Mas a desconstrução que ela promove da perseguição no caso dos primitivos cristãos invalidam, de fato, a realidade das perseguições atuais?

De fato, os cristãos conservadores algumas vezes recorrem ao testemunho dos apóstolos, inclusive até sua morte, como algo a imitar. Mas ela não apresenta nenhuma evidência de que as fantasias da “Escola Dominical” sobre os cristãos serem jogados aos leões, sustentam a resistência atual da Igreja a coisas como o aborto. Ela simplesmente ignora a importância da Igreja primitiva na consistência da rejeição prática e teológica do aborto e de outros costumes mortais como o jogos de gladiadores.

Deveras, a experiência da perseguição que toca a consciência cristã hodierna está muito mais próxima de nós. O trabalho de David Barret e de grupos como Voice of the Martyrs ou Freedon House confirmam que o martírio cristão é real e muito difundido. Alguém pode até ignorar os Atos dos Mártires do passado e não faria qualquer diferença [sobre o que está acontecendo hoje]: A “nuvem de testemunhas” que, apenas nos últimos cinquenta anos, foi alimentada pelos “gulags” soviéticos, pelos campos de reeducação chineses, pelos ataques islâmicos localizados, pelos regimes militares latino-americanos e africanos e assim por diante – este é um conjunto de exemplos mais do que suficiente para prover evidências para a auto-avaliação dos cristãos atuais.

Os debates em curso a respeito da manutenção da integridade da liberdade religiosa nos Estados Unidos (ou na Europa) são sustentados por uma história que se moveu bem além das considerações provocativas de Gibbon. E ele mesmo estava apenas questionando, com o cinismo arbitrário, definido pelo seu círculo, a política antipersecutória e a retórica do anglicanismo do século XVII.

Ironicamente para o argumento de Moss, a retórica era tão inflamada por um retorno a uma teologia primitiva do martírio, quanto era rejeitada por ela. Por exemplo, os estudos altamente influentes de William Cave, realizados no final do século dezessete, a respeito dos mártires da Igreja primitiva e suas percepções, deram orígem, não a pogroms, mas a um renascimento das obras caritativas, educação, e missão, ao revivamento Metodista e, finalmente, indiretamente, ao comprometimento evangélico para com o abolicionismo.

Questões sobre a liberdade religiosa significam agora algo mais, no despertar do compromisso compartilhado, às realidades da dignidade humana que os cristãos ajudaram a formar mas que também [foram] evocadas por suas falhas reconhecidas. Tendo assistido em todo o globo, a ambos: os custos morais e as carências dos últimos cinquenta anos, o esforço geral do cristianismo contemporâneo está focado mais claramente na manutenção do bem comum, embora em disputa, do que na supressão da diversidade.

Portanto, as preocupações cristãs sobre currículos obrigatórios com novos padrões de vida sexual, o ataque às igrejas com acusações de “discurso de ódio” devido às suas convicções morais, as redefinições civis do casamento e todo um bloco de assuntos tratando de contracepção e aborto, dificilmente são misturados a ponderações ignorantes sobre estórias de martírios fraudulentos. Levantar esta questão é tentar mudar de assunto.

Ao contrário, as preocupações se derivam do bem fundado temor de que um espaço civil, no qual duramente conquistado, no qual a expressão cristã pacífica e o testemunho para uma renovação social do modo como os conservadores o vêem está sendo deliberadamente erodido

A seu próprio modo, Moss parece ser simpática ao que ela descreve como a aversão dos cristãos primitivos aos romanos: suas crenças eram muito perturbadoras socialmente (não religiosamente), que a ordem e a decência significava mantê-los sob controle. Isto não era “perseguição” real, mas compreensível e necessária “ação policial” (como o historiador J. G. A. Pocock afirma em sua descrição de Gibbon)

Também está superficialmente correto que os significados particulares do martírio cristão são diferentes e específicos do seu contexto. Mas as raízes de todos martírio cristão na Paixão de Cristo, tem sido, de fato, um aspecto unificador ao longo dos séculos, exercendo seu próprio poder divino em ambos os modos: condenatório e regenerador.

Comportamentos persecutórios e competição de martírios entre os cristãos são uma blasfêmia contra Deus. Os cristãos foram obrigados a admitir e encarar isso. Mas, como resultado, o martírio também produziu um movimento de conversão consistente, mais do que aconteceu entre os primitivos cristãos, chamando a atenção, chamando ao arrependimento e maravilhando os observadores até de novos modos. O “ecumenismo do martírio” encorajado pelos dois últimos papas é um exemplo disso.

O poder do martírio cristão, que é um fenômeno histórico e que se firma de direito como uma peça importante de evidência está vinculado ao seu significado religioso. Os dois não podem ser separados e juntos iluminam o testemunho da Igreja primitiva. Certamente são possíveis leituras minimalistas daquele registro primitivo. Mas Moss chega [através de sua leitura], a conclusões negativas, especulativas: é tudo uma fraude.

Isto não é história, mas uma recusa, ideologicamente carregada, de lidar com a consistência moral do martírio cristão, tanto nos primeiros séculos como, atualmente. Esta recusa define uma indiferença para com as profundas mudanças políticas [provocadas pelo] martírio cristão. Esta própria indiferença aponta para a irrelevância do projeto principal dela.

Ephraim Radner, membro do conselho consultivo de First Things, é professor de teologia histórica da Universidade Wycliffe em Toronto.

Um comentário sobre “Fraudes Martírios Cristãos – I (tradução)

  1. […] No caso do livro da prof. Moss, a falta de evidências que comprovem sua teoria é uma das acusações feitas pelo professor de teologia da Universidade Wycliffe de Toronto Ephraim Radner, cuja resenha, traduzida pode ser lida aqui […]

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